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A ocupação Vila Paula

    O nome da ocupação presta homenagem à esposa do homem que liderou o processo de entrada no terreno público junto à estrada municipal José Sedano, na região norte de Campinas, próximo à Sumaré, em agosto de 2015. Atualmente, é ela quem ocupa o papel de coordenadora da ocupação.

    A entrada dos moradores no terreno, em 15 de agosto de 2015, acompanhou-se de variados sentimentos indo da esperança de melhores condições de vida à apreensão e medo. A chegada de famílias foi intensa e fez-se necessário o cadastro e organização das mesmas. Contribuiu para isso o proprietário de lan house localizada no bairro vizinho, o Sr. Vanderlei Marcos Ferrari, conhecido como Marquinhos, que transformou-se em liderança e coordenador da Ocupação Vila Paula durante cerca de quatro anos.

    O surgimento dessa nova ocupação no município em 2015 refletia o desemprego, pobreza e desigualdade no país. O crescimento da ocupação com a chegada de mais famílias, principalmente a partir de 2020, coincide com a piora das condições sociais dos mais pobres, agravada com a pandemia de Covid-19 e a fragilidade das políticas de bem-estar social.

    O receio de que fossem despejados por determinação judicial de reintegração de posse acompanhou essas famílias durante anos, e determinou, em grande medida, a relação que mantiveram com o território e, em particular, com a unidade básica de saúde de referência. A insegurança em relação à duração da permanência no local foi um dos fatores que retardaram a transferência do cuidado da unidade de saúde de onde provinham para aquela localizada no bairro.

    Uma característica interessante de ocupações relativamente recentes e cujas moradias são necessariamente barracos de madeira diz respeito à “paisagem” da mesma. É comum barracos serem destruídos e reconstruídos em outros espaços da ocupação ou simplesmente reformados, o que acarreta mudança nos espaços, cores e formas. Rápidas e frequentes mudanças como essas podem dificultar a incorporação de referências por parte de moradores, comprometendo sobremaneira o processo de enraizamento. Por outro lado, a situação que deveria ser provisória para muitas famílias, tende a se prolongar e se tornar permanente. E não há, para a maioria dos moradores, perspectiva concreta de mudança num futuro próximo.

    No que se refere às características demográficas da ocupação destacam-se o predomínio de crianças e a pequena porcentagem de idosos (menos de 3%), o que difere do perfil do país como um todo que passa por transição demográfica acelerada e já conta com mais de 13% de pessoas com 60 anos ou mais. Isso foi levado em conta no momento de planejarmos as atividades de extensão. Criou-se rapidamente vínculo forte entre crianças e extensionistas, a maioria jovens estudantes de ciências sociais, enfermagem, fonoaudiologia, medicina e midialogia. Esse fato facilitou as trocas de saberes e de afetos. Foi muito graças às crianças que aprendemos como é a vida na ocupação.

    A presença de famílias de haitianos na ocupação reflete características do processo de inserção desses imigrantes na nossa sociedade. Muitos chegaram à Campinas e foram morar em casas de aluguel em bairros estruturados. Contudo, diante do aumento do desemprego, buscaram moradias em regiões mais periféricas da cidade e ocupações. O que está em jogo não é apenas a sobrevivência, mas também sonhos e perspectivas de futuro que incluem, quase sempre, a vinda de familiares que deixaram para trás. Conservam hábitos alimentares e culturais. O idioma ainda é fator limitante para muitos que não dominam o português. Isso tem desafiado sobremaneira a atenção à saúde de alguns haitianos.

    A Ocupação Vila Paula significa muito mais que apenas um grupo de pessoas morando em barracos de madeira próximos uns dos outros e distribuídos de forma desordenada. É expressão de grande desigualdade social, iniquidade no acesso a direitos básicos como água, moradia, trabalho, lazer. Esconde sofrimento humano, violência de gênero e contra criança, tensão social. Revela pobreza. Revela também resiliência de grupos humanos acostumados à discriminações de variadas ordens e que acolhem com sinceros sorrisos aqueles que se dispõem a enxergá-los como realmente são, sem preconceitos.

 

Rubens Bedrikow, Aline Messias Mota e Beatriz Soares Pires

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